O Movimento Um Milhão de Histórias de Vida de Jovens e o Instituto Religare

O movimento Um Milhão de Histórias de Jovens valoriza a expressão da juventude por meio da articulação de jovens e da divulgação de suas histórias de vida. Co-produtor do Movimento O Instituto Religare, desde 2002, promove o resgate de identidade cultural, desenvolve ações no campo das artes, atua como facilitadora da difusão e inclusão cultural, cria oportunidades e suaviza os dramas que pautam o cotidiano de jovens em situação de risco social. Gerando um aprimoramento intelectual, cultural e filosófico através de suas Oficinas. Pratica-se a educação dos sentidos, e coloca o jovem em contato com idéias que levam a pensar melhor sobre o mundo que o cerca. Um cidadão que tem acesso à produção artística do seu tempo consegue enfrentar com mais clareza a complexidade da sua vida e qualifica-se para aprender a reivindicar melhor a sua participação na sociedade.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Dom Quixote Das Ruas

Peterson Xavier

Dia 11 de outubro de 2000 eu e mais cerca de 150 jovens internos da Febem nos preparávamos para encenar o clássico de Miguel de Cervantes: “Dom Quixote”. A ansiedade e o nervosismo, misturavam-se a fúria que sentíamos por tanta humilhação que passamos para estar ali: escolta policial que nos tratava como se fossemos bicho, funcionários da febem que faziam piadas sobre nossa participação no teatro, entre outros atritos, mas incrivelmente nenhum de nós aceitou provocação, enfrentamos nossos moinhos de vento dignamente.
Todos prontos o espetáculo irá começar, vozes de diferentes tons, cores e textura povoam a platéia de 1200 lugares do teatro do memorial da América latina. A música inicia e com ela o espetáculo, minhas pernas tremiam, afinal eu era encarregado do protagonista da peça,deram minha deixa, eu entrei, a voz libertou-se quase que inconscientemente, não consigo lembrar de muitos detalhes, mas lembro que naquele pedaço de tablado, sob as luzes dos refletores eu era livre.
Começou então a música final, era o fim do espetáculo uma multidão de jovens invadiu o palco, via-se que a platéia estava receosa esperando pelo pior, pois o que todos esperam da Febem são monstros e não artistas. Os familiares que estavam presentes na platéia subiram ao palco, choros risos e parabéns encheram o ar de sons. Ao canto vi um homem, uma moça com um menino no colo, era Gabriel meu filho, meu Sancho pança, uma voz me fala ao ouvido: “olhe por esse menino, pense nele” Palavras da diretora do espetáculo, Valeria Di Pietro, e isso ficou em minha cabeça.
Despedi-me dos meus e voltei para febem para terminar de cumprir a minha pena, naquela noite eu e mais um amigo achamos que iríamos conversar durante horas, mas a voz não falou e sim o silencio, o mais puro silencio, um silencio preenchido de todos sentimentos.
Cerca de 1 mês e meio depois eu recebi minha liberdade a uma semana de outra apresentação queria sentir aquilo novamente, então voltei no dia seguinte para um novo ensaio, em casa a exclamação: “você é louco menino acabou de sair e quer voltar novamente praquele inferno?”.
Bom acho sou louco, assim como dom Quixote, sai pelo mundo afora para lutar pelo meu sonho, eu o dom Quixote das ruas, acompanhado pelo meu pequeno Sancho e seu irmão, eu o dom Quixote educador com espada e escudo derrotando gigantes, eu Peterson Xavier Quixote de la Mancha.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Afro Tupi Guarani

Peterson Xavier

Minha Historia começa em 1500, com a chegada das caravelas de Pedro Alvarez Cabral ao Brasil. Com a dizimação de muitos índios, com a escravização de milhares de Africanos, com a miscigenação de etnias, com a mistura de culturas.

Sou negro, branco, índio, pardo, Afro descendente, tupi-guarani.

Essa é minha historia, a sua, a do Brasil.

Minas

Fran de Lima

As férias de julho e dezembro, tinham destino certo, Minas Gerais,São Sebastião do Paraíso,São Tomás de Aquino.Sítio da Lagoa,dos meus avós paternos.Minha família e meus primos de outros estados,todos lá,sempre na mesma época. A arrumação das malas já era uma grande festa,a noite demorava passar. Mas no outro dia bem cedinho,pegávamos o ônibus rodoviária do Tiête,em direção a São Sebastião. Depois de cinco horas,chegávamos a rodoviária de Paraíso. Rodoviária linda,c/ uma linda e grande lagoa bem na frente,c/ patos. Tomávamos café e dávamos comida p/ os bichos. Depois pagávamos o ônibus p/ São Tomas,que fica perto de Paraíso. Essa é a cidade que meu pai nasceu. Chegando lá,visitávamos os parentes.Meu amado tio Zeca e minha querida prima Eliane. Depois de visitar todos,íamos de táxi até o Sítio da Lagoa.Quando chega no sítio o táxi,os cachorros,que eram muitos,cercavam o carro,numa farra só. Lá depois da porteira,que a gente brigava p/ ver quem ia abrir.Tinha a casa da Rosa e do Luís.Dois primos. Um pouco mais pra frente era a casa da minha avó. Depois de guardar tudo, era a hora mais gostoso. Hora de trocar de roupa de cidade,p/ roupa de guerra,guerra da liberdade. Comíamos e íamos p/ o mato. Eu me lembro bem de sentar no colo do meu avô,coisa que os outros ñ faziam,pois todo mundo achava que o vô Pedro era bravo. Mas eu sempre soube a manteiga que tinha ali. Quando meu avô voltava da roça,ele colocava a corda nas costas,e dizia,vamos balangá. Nós íamos p/ pasto, que era perto da casa,e ali, num enorme pé de manga,ele colocava a corda,e o balango estava feito. Ele balangava o primeiro,depois de cócoras,colocava um capim na boca,e na seqüência pitava seu cigarrinho de palha. Quando a brincadeira acabava e o dia chegava ao fim. Era hora de disputar c/ os gatos,que também eram muitos,um lugar no fogão a lenha da minha avó. Ficávamos ali,todos,c/ se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo. Depois de tomar banho c/ um chuveiro de lata,bem rápido c/ sabão feito pela minha avó. Jantávamos,e a noite era a mais escura e bela de todo o mundo!!!


Pequena Atriz

Nice Pequena
Na minha infância e pré-adolescência nunca tinha pensado em fazer teatro, nunca tinha feito nem na escola, isso estava fora de cogitação, por ser muito tímida e não ter tido contato nenhum com a arte.

Até que no dia 22 de junho de 2001, por conseqüência de alguns atos fui levada para a febem. Lá existiam alguns cursos, como estreet dance, danças circulares, artes plásticas, teatro entre outros, mas por não ser uma escolha própria eu tinha que fazer os cursos, só não fazia de teatro, havia na unidade algumas meninas que saiam para fazer o curso fora da unidade ensaiavam Dom Quixote no salão do febem-arte no Tatuapé, eu achava legal só pelo fato de saírem da unidade, mas mesmo assim nunca pensei em fazer o curso, mas coisas da vida, em fevereiro de 2002, em uma nova montagem do Dom Quixote, eu e mais algumas amigas fomos chamadas para a nova montagem, eu pela euforia na hora aceitei, nem me perguntei o que seria Dom Quixote.

Chegou o dia do primeiro encontro do grupo, a Valeria pediu para sentarmos em circulo, já fiquei vermelha, na hora que ela falou para cada um se apresentar nossa me deu vontade de sair correndo, minhas pernas tremiam, meu rosto parecia que ia explodir de tão vermelho, minha voz não sai... chegou a minha vez, falei pra dentro e muito rapidamente, não lembrava o rosto de ninguém nem os nomes, esse foi o primeiro contato do grupo, voltei para a unidade sem querer por os pés mais naquele salão, as meninas falaram um monte, teve uma até que chamou uma psicóloga para falar comigo, enfim continuei por achar que isso ajudaria a sair mais rápido da febem por questões de comportamento, e os ensaios continuavam, nossa era um tormento ter que dançar, e ate falar na presença de todos, mas aos poucos comecei a achar aquele mundo de fantasias e de sonhos do Dom Quixote, encantador, e eu queria aquele mundo pra mim, se não na vida real, pelo menos no teatro.

No dia 09 de maio de 2002 minha liberdade chegou era um dia muito feliz eu ia pra casa ficar com meu filho e fazer por ele tudo que ainda não tinha tido a oportunidade de fazer, mas no meio do caminho começou a me dar um vazio, eu não poderia mais continuar com os ensaios e a apresentação estava tão perto, eu não tinha o telefone de ninguém, nem sabia endereço, nada, teria que me conformar: foi só uma fase boa da vida.

No dia das mães fui visitar minha irmã que ainda estava lá, quando menos espero vejo a Valeria, a própria em carne e osso, fui lá mais que rápido falar com ela, e finalmente o convite pra voltar a ensaiar, nossa foi um sonho, contei pra minha irmã, mãe e fui pra casa muito satisfeita.

Continuei os ensaios e chegou o dia do espetáculo por todos esperado, nossa eu não sei descrever o que sentia, só sei que era algo muito forte que vinha lá de dentro com muita força, e o espetáculo começou, foi tudo muito mágico, os meninos estavam super empolgados e emocionados, no final a platéia começou a aplaudir calorosamente, ninguém mais conseguia controlar a emoção, e foi nesse momento que minha semente começou a brotar.

Mas não parou por ai, fizemos varias apresentações nas salas do Sesc. Fui contratada como assistente de arte-educador, queria contagiar a todos, mostrar aos meninos que tinha saída, e foi assim ate 2004, quando sai em outras condições, pela ultima vez da febem. Mas hoje ainda continuo fazendo arte no Religare que foi criado pela Valeria Di Pietro e por nós egressos da febem, e formamos uma linda família, continuo com muita vontade de passar para frente minha experiência, não tenho a pretensão de ser atriz famosa, nada disso só quero ter conhecimento para passar adiante.